Os próximos dois anos serão decisivos para que o Brasil comprove o que os analistas têm percebido quanto a superação do período mais crítico da recessão e o país inicia uma retomada do crescimento econômico.
O atual cenário, ainda que preocupe, pode dar lugar ao otimismo, independente de quem subir a rampa do Palácio do Planalto em janeiro. Mas para vencer a desconfiança do mercado, o presidente eleito terá de sinalizar, além de uma governabilidade serena avanços principalmente no controle dos gastos públicos e na execução de políticas que façam o país retomar sua capacidade de investimentos.
A sinalização é do economista Paulo Pereira Miguel, da GPS Investimentos, durante encontro na Associação Empresarial de Jaraguá do Sul na segunda-feira. O analista diz que embora os indicativos apontem vitória de Jair Bolsonoro, o esforço de reequilibrar a economia nacional apresenta os mesmos desafios ao candidato do PT Fernando Haddad.
“A governabilidade passa pela compreensão de que batalhas o presidente eleito escolherá para sinalizar confiança da sociedade, sem dúvida a reforma da Previdência é uma das mais importantes. Este entendimento passa também pela composição do Congresso e por esta nova formação que o primeiro turno mostrou com uma ampla renovação na Câmara e no Senado”, aponta Paulo Miguel.
Confira algumas das opiniões do palestrante
Novo ciclo político
Está claro que o Brasil entra em um novo ciclo, considerando a maior renovação do Congresso Nacional em 20 anos, com muitos novatos na Câmara e no Senado. Desde a eleição de Fernando Collor, na primeira campanha eleitoral com a redemocratização e depois com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, nunca houve tanta mudança nos quadros parlamentares, mas não com nomes tradicionais e sim deputados e senadores que recém chegam ao jogo político. Os dois partidos que disputam o segundo turno estão representados com as duas maiores bancadas, o PSL de Bolsonaro com 52 eleitos e o PT de Fernando Haddad elegendo 58 parlamentares. Como as pesquisas mostram uma possibilidade de vitória mais concreta de Bolsonoro, as prováveis adesões ao PSL poderão dar ainda mais sustentabilidade ao seu futuro governo, isto representa uma mudança do eixo político, a princípio se desenhando uma aliança de centro-direita. Aparentemente Bolsonaro teria menos dificuldades do que em um eventual governo de Fernando Haddad, mas por outro lado ainda que se vislumbre ruídos políticos em temas gerais, que diz respeito à economia há um certo consenso do que precisa ser feito seja qual for o eleito.
Agenda racional
Nas próximas semanas é preciso acompanhar as indicações de formação das equipes de governo, principalmente na área econômica e como serão tratadas questões como as reformas como a da Previdência, observando o debate entre idealismo e pragmatismo. “Esta discussão tem feito com que o Brasil perca um tempo que não tem a desperdiçar, porque este é um ponto vital para um ajuste nas contas públicas”, assina Paulo Miguel. Segundo ele, assim como a reforma da Previdência há outros temas que vão exigir do governo uma agenda racional, em setores onde há muito debate e pouca ação prática, como no caso das áreas de petróleo e de energia elétrica, onde cada vez mais o timing para que se cumpra estas metas é decisivo. “Vai ser preciso ao governo ter a sabedoria de priorizar as batalhas certas neste momento em que o déficit do País, só aumenta, e estas incluem a reforma previdenciária e a tributária, diante do que está posto hoje com uma situação fiscal muito grave. Sem estancar as despesas não se conseguirá uma governança, mesmo que se tenha um teto de gastos já definido, porque se não domarmos o Leviatã que o Estado representa os recursos serão praticamente só para o custeio da máquina pública”.
Enfrentar o corporativismo
Reduzir o acesso das corporações ao orçamento é outra tarefa que o futuro Presidente da República terá de enfrentar, diz o analista da GPS. Lembra que hoje os recursos do orçamento são finitos e estão comprometidos cada vez mais com aposentadorias e pensões que favorecem grupos que têm interesses e contam com acesso privilegiado ao Estado, abocanhando uma parcela mais expressiva da verba destinada ao custeio previdenciário. “O que já sabemos é que com a atual carga tributária não dá para fazer política social e ao mesmo continuar permitindo que grupos com interesses se apropriem do orçamento. Lidar com esta situação de busca de maior equidade dos gastos é um desafio bastante grande que passa muito pela governabilidade no Congresso Nacional na medida em que será fundamental obrigar o Estado a entregar mais produtividade à sociedade e porque alterar esta lógica vai mexer com setores que hoje se fazem valer de privilégios”.
Busca de competitividade
Outra questão que independe de quem for o eleito, reitera Paulo Pereira Miguel, é a agenda de competitividade que precisa sinalizar confiança ao setor produtivo. O especialista diz que, embora haja consenso de que a economia precisa abrir e também de se mexer na parte tributária, a mudança passa pelo enfrentamento da despesa pública e do descontrole orçamentário para que se possa estabelecer condições de crescimento da economia. “É uma condição mínima para que qualquer governo tenha eficácia e possa entregar resultados por meio de uma agenda pragmática, e mesmo num governo de Fernando Haddad isto levaria a um posicionamento mais de centro no que diz respeito às contas públicas. É uma questão de responsabilidade, o que muda é a intensidade destas mudanças, o que talvez em um governo do PT possa passar uma ideia de que elas não ocorram da maneira como outros setores desejariam. No caso do Bolsonaro a dúvida é outra, a de como um grupo que acabou de chegar vai fazer as mudanças com uma equipe econômica que nunca esteve no governo. É um desafio para quem quer seja porque desde 2017 as despesas comprometidas com previdência e outras consideradas sociais já comprometem 100 por cento das receitas, sem uma reforma na estrutura de gastos nos próximos anos o governo se tornará um mero gestor de folha de pagamentos, como já ocorre em muitos estados”.
Rever as desonerações
O economista da GPS Investimentos aponta ainda o debate que tem pontuado o atual pleito eleitoral, os incentivos concedidos pelo governo em várias áreas. “Há um universo inteiro de desonerações no qual o governo precisará intervir, com eliminações ou revisões. Hoje o orçamento federal contempla R$ 280 bilhões em desonerações e quem quer seja o presidente terá de colocar como prioridade o reestudo de muitos benefícios, avaliando o que é justificável e mexendo no que tiver de mexer. Porque isto representa 4% do PIB e não se justifica manter tantos privilégios na situação em que o Brasil se encontra, do mesmo modo que é urgente alinhar a situação tributária em que a maior carga é sobre produtos e serviços, o que reduz a competitividade do Brasil diante de outras economias. A tarefa do governo será de reduzir a complexidade tributária, quem sabe caminhando em uma proposto de um imposto único, mudando critérios que existem hoje para uma equidade na tributação, poderá até mesmo mudar a forma como se organiza as composições societárias que hoje ocorrem em muitos casos somente para fins fiscais”.
Efeitos da recessão
“A atual recessão brasileira é única na história, 4 anos depois não recuperamos o nível inicial, e não há uma avaliação que possa ser definitiva do que ocorreu. Além das teorias de excesso de consumo que depois não se sustentou por diversos aspectos, enfrentamos uma conjunção de fatores muito fortes no qual o modelo de mobilização de capital para investimentos de grande porte no Brasil foi desmontado, a associação entre fundos de pensão, empreiteiras, prestadores de serviço de estatais, que a operação Lava jato desmantelou. Hoje há novos mecanismos de mobilização de capital que ainda estão se colocando no mercado e leva ainda algum tempo ainda para ver o resultado”, avalia Paulo Pereira Miguel, sustentando que também neste aspecto será preciso capacidade de articulação do governo com medidas que restabeleçam confiança de investidores.
Espaço para crescer
“Embora estejam convivendo com dificuldades, a maior parte das empresas realizou com grande esforço o gerenciamento de seus custos, quem sobreviveu agora está preparado para avançar porque na medida em que há aumento de receita passa a contar com uma base de lucratividade. Se esta confiança aumentar, poderemos voltar a ter um país em crescimento, sem grandes pressões inflacionárias, sem maiores pressões por conta do déficit externo e com confiança no governo. Mas isto depende de o governo conseguir destravar uma ou duas reformas que permitam visualizar que a dívida pública não saia de controle, que não tenhamos uma inflação exacerbada. É um cenário mais propício em caso de vitória de Bolsonaro, pode acontecer talvez com mais facilidade por conta da base no Congresso, que deverá lhe ser favorável e ele terá capital político para fazer as mudanças. Mas também pode ocorrer se Haddad for o eleito, embora com mais dificuldade porque é uma agenda que o Brasil precisa”. Tudo vai depender da compreensão, explica do clima pós-eleição. “Mais do que nunca será preciso separar o que é ruído político do que realmente interessa para a economia, a exemplo que ocorre nos EUA onde Trump briga com os democratas, com a imprensa, mas a economia ficou descolada deste contexto político.
>> Confira a íntegra da palestra https://youtu.be/26tkcZ0FDOY