O Ministério da Fazenda fechou acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e grandes contribuintes para manter o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), mas com a renúncia às multas e juros. O voto de qualidade é um mecanismo que favorece a União em caso de empate nos julgamentos do Conselho.
O acordo sobre a medida provisória com as mudanças no Carf foi anunciado no dia 14 de fevereiro pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil José Alberto Simonetti. O ministro aceitou a proposta encaminhada pela entidade para isentar de multa e de juros o contribuinte derrotado pelo voto de desempate do governo nos julgamentos do órgão. A proposta foi entregue ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator de ação da OAB que questiona o retorno do voto de qualidade do governo no Carf, órgão da Receita Federal que julga dívidas tributárias na esfera administrativa.
Em janeiro, o ministro Fernando Haddad anunciou a retomada do voto de qualidade do governo no Carf, como parte do pacote fiscal que pretende reduzir o déficit nas contas públicas para até R$ 100 bilhões neste ano. Até 2020, o governo tinha poder de desempate em julgamentos no Carf, possibilidade que foi perdida após a aprovação de uma medida provisória.
Para reverter a situação, o governo editou uma outra medida provisória em janeiro restabelecendo o voto de qualidade no Carf, com a expectativa de reforçar a arrecadação em até R$ 70 bilhões em 2023 (R$ 20 bilhões como receitas extraordinárias para este ano e R$ 50 bilhões por ano em receitas permanentes daqui em diante). Partidos e entidades públicas estão contestando a mudança no STF.
A retomada do voto de qualidade atinge de 100 a 200 contribuintes, todos grandes empresas. Pelo acordo, as empresas derrotadas ficariam isentas da multa, pagando apenas a dívida principal e os juros. Caso a empresa pague o débito em até 90 dias, os juros também serão cancelados.
A dívida principal poderá ser dividida em até 12 parcelas, com as empresas abatendo prejuízos de anos anteriores, por meio de créditos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). Caso o contribuinte recorra à Justiça, volta a cobrança de multa e de juros.
Para o advogado, mestre em direito tributário pela PUC-SP e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), Eduardo Natal, o acordo é positivo para o governo.
“Se houver empate e o voto de qualidade no Carf for a favor do fisco, o fisco fica com o crédito tributário garantido para a cobrança. Os juros e multa seriam aplicados com um princípio in dubio pro reo. Quer dizer, se houve empate, não é aplicado juros nem multa, desde que o contribuinte desista de ir para a justiça. É bom para o governo porque ele continua tendo o crédito tributário”, explica.
Já para o contribuinte, o advogado e sócio do escritório Carvalho e Cavalheiro Advogados Sérgio Cavalheiro destaca que a solução funciona como um meio termo. “O melhor para os contribuintes e empresas, seria o formato que nós tínhamos para antes dessa medida provisória, o formato da Lei 13.988 de 2020, que previa que em situações de empate, o critério para desempatar os julgamentos do Carf seria uma decisão favorável aos contribuintes. Portanto, o impasse sempre seria favorável às empresas. Então, o que se tem é uma solução de meio do caminho: desempatou para o governo, mas o governo ele cobra o principal que seria o montante a recolher de tributo e expurga o que seriam os acréscimos”, aponta.
O voto de qualidade integra o pacote fiscal para reduzir o déficit nas contas públicas anunciado em 12 de janeiro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Segundo o ministro, a expectativa é arrecadar R$ 50 bilhões este ano, mesmo com as mudanças feitas a respeito do voto de qualidade.
Para o advogado Eduardo Natal, as mudanças na legislação do processo administrativo fiscal não deveriam ser pautadas por questões econômicas e de caixa do governo. “O processo administrativo fiscal tem todo um arcabouço que deve ser levado em consideração. Não se trata apenas de uma discussão sobre pagar ou não pagar o tributo, e sim de se aplicar ou não”, diz.
MP 1160/2023
Desde 2020, a Lei 13.988/20 estabelecia que os empates no Carf fossem decididos a favor do contribuinte. O projeto trazia como justificativa a busca de decisões mais imparciais no julgamento dos processos fiscais em âmbito administrativo.
Com a reintegração do voto de qualidade, os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que são os presidentes de turmas e câmaras no Carf, poderão desempatar as votações a favor da União.
A retomada do voto de qualidade veio na medida provisória 1160/2023, anunciada pelo governo em janeiro deste ano. A MP segue para a Câmara dos Deputados, onde deve ser votada. Em 19 de março a medida entra em regime de urgência. Para o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ), a discussão da medida é importante antes da votação.
“Nós precisamos distensionar as relações e, de fato, avançar com as matérias. A interferência da OAB e dos tribunais foi produtiva no sentido de promover o primeiro acordo. Obviamente, vamos examinar essa questão e votar a favor ou contra, mas eu sou favorável a essa interligação e ao entendimento que foi proporcionado com a intervenção da OAB e dos tribunais superiores do Brasil”, comenta.
Por meio do acordo, em caso de empate nos julgamentos do Carf haverá as seguintes consequências:
• Não será possível aplicação de multa aos contribuintes;
• Multas já aplicadas referentes a caso antigos serão extintas;
• Contribuintes devem pagar apenas o principal acrescido da taxa de juros Selic;
• Será aberto prazo de três meses para que contribuinte e Fazenda possam negociar parcelamento da dívida em 12 meses;
• Se o contribuinte decidir pagar e não questionar a dívida na Justiça haverá supressão dos juros. Isso vale para casos que serão julgados e casos passados também.
(Fontes: Agência Brasil e Portal Brasil 61)